Biomimética: as fábricas do século XXI serão como as florestas
Janine Benyus, co-fundadora da Biomimicry 3.8, já disse que “quando a floresta e a cidade são funcionalmente indistinguíveis, sabemos que alcançamos a sustentabilidade”.
Num primeiro momento, a frase pode parecer muito otimista em um mundo marcado pela emissão excessiva de poluentes e resíduos na natureza e, sobretudo, pelo movimento que grandes nações, como os Estados Unidos e China, têm tomado na contramão de leis e acordos pró meio-ambiente.
No entanto, é expressivo o número de empresas que estão colocando a sustentabilidade em sua missão, de tal forma que um negócio não é mais considerado “bem-sucedido” se não atingir todas as métricas estabelecidas para diminuir a pegada ambiental. E isso, claro, vem acompanhado de um movimento civil mundial em que os indivíduos e suas comunidades, cada vez mais, valorizam iniciativas ditas “verdes”.
Mas na prática, é possível implementar a ideia defendida por Benyus e derrubar as seculares barreiras entre cidades e florestas? Ao que tudo indica, SIM.
Factory as a Forest: as fábricas circulares do século XXI
O conceito “Factory as a Forest” (Fábricas como Florestas) foi introduzido no SB 18 Vancouver e, desde lá, tem despertado bastante curiosidade em manufaturas que desejam transformar os processos produtivos, tornando-os autossustentáveis, equilibrados e circulares como os ecossistemas da natureza.
A ideia partiu de um estudo biomimético que esmiuçou o mecanismo de funcionamento das florestas as quais, ao longo dos últimos bilhões de anos, têm se mostrado ótimas mantenedoras do status quo, sem perder a elevada capacidade de adaptação e regeneração.
O estudo serviu de base para que os processos produtivos (no caso, da empresa Interface em parceria com a Biomimicry 3.8) fossem analisados com o objetivo de encontrar meios de torná-los ainda mais eficientes, com instalações de pegada ambiental zero e elevado desempenho, tal como todos os ecossistemas globais.
Percebeu-se que, para tanto, era fundamental transformar os processos ligados à economia linear, transmutando-os para uma realidade dita circular. Sem isso, é impossível emular a natureza com perfeição, já que nela reina uma exata proporção entre o que é criado e o que é consumido (e vice-versa), num ciclo plenamente autossustentável.
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Para isso, é importante desenvolver produtos que, ao longo da cadeia produtiva, sequestrem carbono, usar materiais sustentáveis e recicláveis, optar por fornecedores com visão pró meio-ambiente e, claro, engajar a empresa como um todo para que o objetivo fique claro e atingível.
Com vistas a tornar esse conceito uma realidade prática, o estudo indicou quatro passos aparentemente simples que podem guiar qualquer organização rumo ao status “Factory as a Forest”. Veja-os a seguir:
Passo 1: Identificar ecossistema de referência LOCAL
O conceito “Factory as a Forest” foi concebido para complementar a estratégia já existente das empresas e, assim, fazê-las mais verdes. A ideia não valoriza rupturas drásticas, nem mudanças em grande escala de uma única só vez. Muito pelo contrário: os esforços devem começar pequenos e crescerem à medida em que se tornem plenamente mensuráveis.

Como se sabe, os ecossistemas são muito variáveis de região para região, embora todos funcionem com o objetivo final de manter o equilíbrio entre a produção e o consumo de recursos. Por essa razão, é importante descobrir, localmente, à qual região ecológica uma instalação pertence e, a partir disso, emular o ecossistema mais próximo que a abrange. Como dito anteriormente, a ideia é começar de forma setorizada.
Uma das maneiras de descobrir a ecorregião e o ecossistema em que uma empresa está inserida é acessar o mapa interativo EcoRegions. Nele, é possível navegar por todo o globo e estabelecer diferentes critérios de visualização e análise.
Com isso definido, parte-se para questões mais profundas de análise — como determinar as taxas de sequestro de carbono, de filtragem de ar, de armazenamento de nutrientes e água, suporte à biodiversidade, reciclagem de recursos — sobre o ecossistema definido. A Biomimicry 3.8 também recomenda o Ecology Pocket Guide para ajudar não-biólogos com essas definições.
Além disso, ela defende que uma imersão in loco é sempre a maneira mais eficiente de sentir-se parte da natureza e realizar uma experiência biomimética integral. Com isso, fica mais fácil fundamentar os aprendizados com o ecossistema e aplicar os conhecimentos na prática.
Passo 2: Mensurar o desempenho da instalação a ser transformada
Nesta etapa é preciso estabelecer métricas que servirão de referência para definir sucesso.
O importante neste momento é entender o padrão de desempenho do ecossistema local e, a partir disso, colocá-lo como meta a ser atingida. Para tanto, é preciso estipular padrões e benchmarks de desempenho para as instalações que serão transformadas. Como exemplo, podem ser analisados a capacidade de armazenamento e purificação de água, reciclagem de resíduos, conservação do solo e lençóis freáticos, manutenção da biodiversidade polinizadora, produção de biodegradáveis, consumo de energia limpa, entre outros.
A maior dificuldade, no entanto, é escolher os elementos certos e que conversem perfeitamente com os aspectos locais da instalação em análise. Novamente, é preciso começar de forma localmente isolada. Isso porque, quando restringimos o foco ao que é gerenciável e ao que se encaixa nas operações e na estratégia de uma empresa específica, fica muito mais simples a posterior implementação dos passos definidos como necessários.
Passo 3: Planejar os passos de implementação de melhorias
Se no Passo 2 nós conseguimos estabelecer métricas e metas de sucesso, no Passo 3 a ideia é planejar como executá-las.
Aqui, mais uma vez, é importante se apegar aos detalhes exclusivos da ecorregião e do ecossistema que a envolve. Isso, em outras palavras, significa que as definições para a unidade de uma empresa localizada em São Paulo, por exemplo, não serão válidas (ou apenas parcialmente) para uma outra unidade em Buenos Aires. Esses dois locais estão envolvidos por processos ecológicos muito distintos e cada um deles, de forma isolada, deve servir de base de emulação para as estruturas produtivas das filiais.
Um outro aspecto muito importante a ser mencionado nesta etapa é a não necessidade de se mapear tudo o que deverá ser feito. Primeiramente, porque isso é quase impossível. Depois, porque é importante deixar algumas lacunas em aberto para que o conhecimento não se limite e possa ser moldado conforme novas descobertas ocorrerem mais à frente, no momento da execução propriamente dita.
Passo 4: Implementar
A implementação requer engajar todas as pessoas e empresas parceiras que, direta ou indiretamente, estarão envolvidas nesse processo de mudança. Afinal, são elas que estarão no dia a dia das decisões e execuções e que, portanto, irão implementar todas as definições dos passos anteriores.
As implementações devem ser de curto, médio e longo prazo, sempre mensuráveis e corrigidas em ciclos. São elas também que completarão as lacunas da etapa de planejamento, trazendo à realidade os desafios que ficaram escondidos quando tudo ainda era só uma ideia.
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O Passo 4, conforme indicam as empresas que já chegaram lá, torna-se progressivamente mais complexo conforme é escalado. Muito em razão da estratégia “Factory as a Forest” ser pensada a partir de uma realidade local, que respeita as individualidades dos ecossistemas e ecorregiões. Também pelo fato de, ao aumentar o número de atores envolvidos na mudança, ficar mais difícil o estabelecimento de padrões comuns de rigor e engajamento, ao longo da cadeia produtiva.
Mesmo assim, como defende a Biomimicry 3.8, esses desafios tornam-se pequenos conforme aumente o engajamento das empresas com a sustentabilidade e o senso de compromisso e responsabilidade ambiental sejam uma prioridade estruturada. Nesse sentido, tudo leva a crer que, em alguns anos, a estratégia localizada fará cada vez mais sentido, já que diversos núcleos de mudança ao redor do mundo surgirão e, assim, somarão esforços com resultados em grande escala.
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