Computação neuromórfica: o processamento inteligente de dados
A definição original de computação neuromórfica foi cunhada por Carver Mead do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), no final da década de 1980, e pode ser ilustrativamente resumida como a ideia de desenvolver computadores que se comportem de forma semelhante ao cérebro.
A ideia parte da tentativa de emular o funcionamento das sinapses neurais biológicas. Os processadores não seriam mais pré-programados, mas funcionariam a partir de conexões entre os circuitos que se estabelecem através do aprendizado constante vindo do tráfego de dados pelo chip dos computadores.
Essa nova dinâmica gera sinais que viajam para outros componentes do sistema computacional, mudando a rede “neural” de comunicação de forma semelhante ao que ocorre com os seres humanos. Em resumo: as ações se alteram em função da informação recebida, com alto dinamismo.
Como alcançar alto desempenho e baixo consumo de energia?
Nos últimos anos, as pesquisas em computação inspirada pela Natureza (bio-inspired computing) têm focado sobretudo num atributo bastante especial e singular do cérebro humano: sua elevada capacidade de desempenho e processamento com baixo gasto energético. É essa a grande diretriz que tem alavancado linhas de pesquisa mundo afora quando se fala em computação neuromórfica.
Em entrevista à Nature Communications, Dmitri Strukov, engenheiro elétrico e pesquisador da Universidade da Califórnia, afirma que:
“Alguns resultados existentes, embora realizem tarefas (cerebrais) simples como a classificação de imagens, têm mostrado uma enorme melhoria no uso da energia e da velocidade em comparação com a computação puramente digital, e alguns deles podem até superar o desempenho do cérebro humano”
Julie Grollier, física do Unite Mixte de Physique CNRS, acredita que a computação neuromórfica vai ainda mais além do processamento e dos algoritmos. Ela diz que a Inteligência Artificial (IA) precisa de um novo padrão de Hardware, que atenda à demanda infinitamente crescente de dados a serem armazenados e classificados.

Julie explica que, pelo fato de as unidades de processamento e memória estarem separadas nos computadores, há um grande consumo de energia proveniente do aumento expressivo no tráfego de dados entre um e outro. Esse dilema, entretanto, está sendo resolvido com o advento da nanotecnologia, pela qual é possível aproximar uma grande quantidade da memória ao processamento, e até mesmo integrá-los.
Essa integração está intimamente inspirada na dinâmica de trabalho do cérebro humano, em que as sinapses nervosas conseguem fornecer acesso direto à memória dos neurônios que processam a informação. Essa é, por sinal, uma das grandes razões que explica a elevada capacidade do cérebro biológico em unir potência e velocidade “computacionais” com baixo consumo de energia.
Ao imitar essa arquitetura, a computação neuromórfica fornece um caminho para a construção de chips inteligentes que consomem muito pouca energia e, enquanto isso, computam rápido, diz Julie Grollier.
A ideia é “copiar” o cérebro humano para fins computacionais?
A computação neuromórfica pode ser considerada um dos braços de uma ciência ainda maior: a Biomimética.
A Biomimética propõe-se a analisar estruturas, processos e sistemas bem-sucedidos da Natureza de tal modo que sirvam de inspiração para o desenvolvimento de tecnologias capazes de resolver as mais diversas demandas intrinsecamente humanas.
Leia também:
Biomimética é aplicável a todos os segmentos, afirma referência internacional no assunto
É importante destacar que, embora a Biomimética fixe na observação profunda da Natureza seu referencial de análise, ela não prega que o desenvolvimento científico deva “imitar” o natural. Afinal, estaríamos apenas copiando o que já está pronto, engessando todo o vasto potencial tecnológico humano, capaz de ir muito além.
É por essa razão que várias linhas de pesquisa em computação neuromórfica não almejam reproduzir cegamente um cérebro artificial, mas adaptar as características do órgão a um objetivo de engenharia específico.
Dmitri Strukov explica que, ao longo da evolução, o cérebro humano sempre se desenvolveu a partir de biomateriais, mas que nos últimos anos uma enorme gama de novos materiais foram disponibilizados pela engenharia. Muitos deles, inclusive, são melhores condutores de eletricidade que os tecidos cerebrais biológicos, o que levaria à confecção de uma estrutura sintética análoga ainda mais eficiente. Esse é apenas um dos inúmeros exemplos em que podemos usar aquilo que a Natureza já certificou como funcional, ao longo dos 3.8 bilhões de anos de evolução, para tentarmos ir ainda mais longe.
Ainda nesse sentido, Julie Grollier aponta uma série de outras diferenças entre o biológico e o artificial, que certamente precisam ser melhor estudadas para elevar a computação neuromórfica a novos patamares. Entre elas, destacam-se:
- O cérebro humano é constituído por sinapses e neurônios ,e não por blocos de memória e transistores;
- Ele armazena informações de forma analógica e não em bits;
- É extremamente “plástico”, não se limitando à reconfigurabilidade;
- Opera com base em complexos princípios bioquímicos, diferentemente dos processadores de computador que seguem a física de semicondutores e as leis da eletricidade.
A Computação Neuromórfica irá substituir a Digital?
Os pesquisadores acreditam que, em breve, a tecnologia neuromórfica estará inserida em sensores inteligentes de baixa potência, que extraem informações dos sinais analógicos para medir e tomar decisões simples sem se conectar à nuvem. Isso, claro, terá um grande impacto em várias outras tecnologias, como a Internet das Coisas (IoT).
E esse deve ser só o começo de uma série de inovações biomiméticas em computação que alcançará o mercado, com propostas muito eficientes, sobretudo em termos energéticos.
Leia também:
Softwares Biomiméticos: mensagem rápida com resposta descentralizada
Mas, diferentemente do que se pode imaginar, a computação neuromórfica não objetiva substituir a computação digital, altamente precisa e utilizada. A ideia é trazer uma nova ferramenta, com novas funcionalidades e mecanismos, que trabalhando em conjunto garantam o desenvolvimento de processadores ainda mais potentes que os atuais.